C R I S T I A N A   &   L U A N A

A minha gravidez não foi planejada. Não consigo imaginar como seja tomar a decisão “pronto, agora é o momento de engravidar”. Não acho que exista o momento ideal ou a situação perfeita para que isso aconteça.

Hoje eu enxergo isso claramente: independente do que se tenha organizado antes da gravidez, com a chegada do bebê, tudo será mudado e o mais provável é que tudo fique de pernas para o ar.


Sempre fui apaixonada por mulheres grávidas. Eu sentia o quanto especial elas eram e ver um bebê crescendo na barriga me encantava. Na minha gestação, me senti exatamente assim. Mesmo percebendo que o meu corpo estava sendo deformado de uma forma irreversível.

Meu parto

O parto é dos momentos mais importantes e delicados da vida de uma mulher que engravida. Passamos meses nos preparando para o dia em que daremos à luz o nosso bem mais precioso. Pensamos, todos os dias, sobre como é incrível ter um ser dentro de nós, nutrindo-se da gente. Sentimos isso fisicamente: nos sentimos fracas, cansadas e totalmente diferentes da mulher que éramos antes.


As alterações hormonais são enormes e percebemos, pela primeira vez, o peso da responsabilidade de uma outra vida, totalmente dependente de nós.

Lembro-me que, quanto mais se aproximava a data provável do nascimento da Luana, mais ansiosa eu ficava. Imaginava o parto, imaginava-a. Passava horas assistindo a vídeos de partos naturais - o que eu queria. Buscava artigos e depoimentos sobre isso. Trocava informações sobre hospitais, médicos, doulas e parteiras com as amigas grávidas.

Mesmo cheia de informações, mesmo tendo me preparado de uma forma que parecia não ter falhas, passei por violências obstétricas que nunca imaginei vivenciar.

Comecei a sentir contrações em uma sexta-feira. Era 12 de dezembro. Estava em casa e acordei sentindo cólicas. Não dormi de sexta para sábado, com as contrações de 10 em 10 minutos. No sábado já estava muito cansada. Fui para uma Casa de Parto porque queria um parto natural e humanizado. Passei a noite de sábado lá, mas a dilatação não evoluiu o suficiente e as contrações não engrenavam. Fui embora frustrada por ainda não estar em trabalho de parto ativo.

A caminho de casa, a bolsa estourou e as contrações ficaram mais intensas. Como não tinha como voltar para a Casa de Parto, fui para um hospital.

Quando consegui contato com a minha obstetra, ela estava no centro cirúrgico de outro local, pois tinha 3 cesáreas agendadas e não poderia fazer o meu parto como havíamos combinado. Fui então para a emergência.

Já estava com 8 cm de dilatação. Fiquei por muito tempo na enfermaria e, quando me encaminharam para o centro cirúrgico - não sei porque temos que ir para centros cirúrgicos para termos um bebê, afinal não é uma cirurgia, é um parto!, não permitiram que a doula me acompanhasse.

Mais uma grande frustração.

Na enfermaria eu estava concentrada, em um ambiente reservado, com cortina fechada, com pessoas que eu confiava. Sentia-me protegida. A vontade era berrar de dor a cada contração. Sentia a barriga endurecendo, os ossos se abrindo. Recebia massagens maravilhosas, respirava e me preparava para a próxima.

Mas, quando entrei no centro cirúrgico, gelado, iluminadíssimo, com várias pessoas que eu nunca tinha visto na vida e que nem olharam para mim, não me acolheram, não me deram informação alguma, tudo parou. Foi como o tesão que passa quando percebemos que o outro não está receptivo às nossas investidas.

Uma enfermeira perguntou-me se eu estava mesmo para ganhar um bebê.

Nesse momento, percebi que eu tinha que fazer com que as contrações voltassem, senão poderiam fazer em mim uma cesárea totalmente desnecessária, simplesmente porque as médicas do plantão e a equipe do hospital não podem “perder muito tempo”. Como se auxiliar uma gestante, durante o parto, da forma mais humana possível, não fosse um trabalho a ser feito. 

Comecei a andar em volta da mesa, a respirar fundo e a me concentrar ao máximo ali naquela situação. Aos poucos as contrações retomaram. Continuei andando e passei a agachar durante as contrações porque preferia que a minha filha nascesse ali do que em cima daquela mesa.

Depois de um tempo, a médica me disse que eu não estava conseguindo e que aquilo ali não ia funcionar.

E eu sabia que o momento expulsivo ainda não tinha chegado. O bebê ainda não tinha descido o suficiente. Simplesmente não era o momento dela nascer.

A médica me fez subir na mesa e todas as enfermeiras vieram para cima de mim, no meu campo de visão, e ficavam gritando “vai, força!”, sempre que vinha uma contração. Outra médica se colocou ao meu lado e começou a empurrar a minha barriga para baixo com o antebraço e o cotovelo! 

Essa violência é chamada de Manobra de Kristeller. É proibida em diversos países porque, dentre os riscos associados, estão a ruptura uterina e a possibilidade de causar lesões no bebê.

Após algumas forças feitas durante as contrações, as enfermeiras, sempre em cima de mim, começaram a gritar de tudo.

Que eu não sabia o que estava fazendo.
Que eu não daria conta.
Que não era assim que eu tinha que fazer.
Que eu não estava fazendo força suficiente.
Enquanto outras continuavam gritando “força, força!”.

Eu estava exausta. Porém, continuava a fazer força quando sentia a contração. A médica que estava entre as minhas pernas queria proceder uma episiotomia. Eu não aceitei. Ela insistiu e o meu companheiro implorou por um pouco mais de tempo. A médica passou a dizer que a minha filha estava em sofrimento fetal, mesmo não tendo medido seus batimentos cardíacos. Tudo isso me deixa muito revoltada, ainda hoje. A médica aceitou não fazer a episiotomia se eu permitisse a aplicação da ocitocina. Eu também não queria este procedimento, mas me senti obrigada a aceitá-lo por medo de uma episiotomia, mesmo sem o meu consentimento. 

Após a aplicação da ocitocina, minha barriga começou a pular com as contrações. Continuei fazendo forças. As enfermeiras continuavam a gritar palavras que me faziam acreditar que não daria certo; que eu não era capaz. A médica mais uma vez tentou fazer o corte e só não o fez porque o meu companheiro segurou sua mão e implorou por mais uma contração.

E foi então, depois de três dias de trabalho de parto e de sofrer essas violências, que Luciano me disse que a cabeça da Luana estava quase saindo. Quando veio mais uma contração, fiz a força mais intensa da minha vida. Tirei-a de onde achava que não tinha mais.

E ela nasceu.

Perfeita. Roxinha. Coberta de vernix, como tem que ser.

Levaram-na para o pediatra fazer todas as intervenções desnecessárias que não queríamos. Luciano a pegou e a trouxe para mim. Colocou-a no meu tórax para mamar. Neste momento, pela primeira vez, consegui relaxar ali e não sentia mais tensão e medo. Minha filha estava nos meus braços e não sofreria mais porque eu não permitiria.

As dores do parto violento demoraram a passar e muitas feridas deixadas nunca cicatrizarão.

Chorei por meses cada vez que me lembrava de tudo o que tinha acontecido. Falar a respeito era muito difícil. Reabria feridas em minha alma porque arrancaram de mim - e da minha filha - a oportunidade de parir naturalmente; com os nossos corpos funcionando da forma como deve ser. Sendo protagonistas de nosso momento mais importante.

A recuperação também não foi fácil. Perdi muito sangue e fiquei muito fraca. Desmaiei duas vezes enquanto internada. Ficamos muitos dias na maternidade porque a Luana tinha recebido alta, mas eu não.

Meu puerpério


Depois que a minha filha nasceu, no dia 14 de dezembro de 2014, já no segundo dia senti uma preocupação e um incômodo muito grandes. Há poucas horas ela estava lá dentro; eu podia senti-la. Estávamos conectadas e eu podia protegê-la. Mas, de repente, ela não estava mais lá e a sensação de que havia um vazio na minha barriga foi algo que me fez chorar algumas vezes.

Considero-me uma mãe cuidadosa, atenciosa. Muitas vezes até demais. Mas, levei um tempo para entender as necessidades da minha filha e para aprender a interpretar a sua linguagem.

O início e os primeiros meses não foram nada fáceis. Cheguei a ficar dias, no começo, sem escovar os dentes. Somente depois de um tempo dei conta que escovar os dentes era maravilhoso e tão importante para mim, como comer, beber água, fazer xixi!

Doei-me tanto a ela que me deixei de lado. Acho que, na verdade, me perdi nela.

Como que uma gestação invertida. Como se agora eu fosse o feto que precisava dela para ser nutrido, crescer e se desenvolver.

Passei pela longa fase de dificuldades com a amamentação. Porque doía na alma. Porque o peito ficava cheio demais. Porque tive mastite. Porque ela não engordava o tanto que deveria, de acordo com a curva do caderno de saúde.

A cada consulta, meu coração ficava na mão. Eu sabia que ela não tinha engordado muito e sentia muito medo de ter que oferecer leite artificial. A primeira vez que me deparei com essa possibilidade, chorei sem parar. Desesperada. Eu olhava para a imagem dela pelo retrovisor do carro e chorava, inconsolável. Chorei o dia todo. E isso fez o meu leite secar. Ao tentar dar o peito, não saía uma gota. Juntando com a fala do médico “a sua filha está passando fome”, desesperei-me. Tentei dar o leite artificial em um copo. Para meu alívio, ela não aceitou. Quando me acalmei, o leite desceu e ela mamou o tanto que quis.

Nesse dia tomei a decisão de que ela mamaria o tanto que quisesse, quando quisesse. Ela estava ótima. Só não engordava o tanto que esperavam dela. A partir de então, relaxei um pouco mais e as coisas fluíram mais naturalmente.

Deixei de acordá-la de madrugada para mamar com medo da possibilidade dela sentir fome. Deixei de cronometrar as mamadas e de me preocupar se oferecia o peito certo ou se repetia o de antes. 

Nascimento dos dentes: tudo virou de ponta a cabeça de novo. E novamente tivemos de buscar um novo equilíbrio. E assim novos desafios surgiam. Vieram a escola, as viroses, a alergia, a estomatite, a conjuntivite, a bronquite, a pneumonia... E então percebi que não adiantava sonhar com uma rotina estruturada. Dia sim, dia não, aconteceria alguma coisa e ficar com ela, grande e pesada, no colo, de madrugada, medindo febre ou esperando a tosse passar, com um pouco de aconchego, era o que deveria ser feito.

Noites passamos em claro. O sono ficou ainda mais acumulado. Cada vez mais foi ficando difícil levantar no dia seguinte. Cochilei sentada e pareci um zumbi.

Mas estive sempre aqui para ela. Como ela para mim.

Com as suas fofuras, espertezas, sorrisos e carinhos.

É um amor incondicional. Ser mãe é se entregar de corpo, alma, mente e sentimentos. É uma doação de 100%.
Se a minha filha precisar do meu coração para estar bem e continuar a viver, tiro e dou para ela. 

Por favor, não me julguem. Não nos julguem.

Apenas aceitem o fato de que damos o máximo de nós mesmas. Cada uma do seu jeito e dentro de suas possibilidades, mas a entrega é total.


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